Pêndulo

30 de janeiro de2010

“Do outro lado da barreira é mais fácil. Nem se nota tanto o frio, porque em gelo se vive. Um iglu de sombras que nos prendem os tornozelos como se fosse grilhões da memória a estancar o sangue. Nunca é fácil, eu sei, mas habituei-me à fácil dificuldade do frio. E, se no balanço dos carris voo pêndulo de saudades, gelo na distância de um lume ardendo baixinho na tua voz que sussurra para a minha alma do outro lado do som que o pêndulo não tarda em balançar. Se ao menos o pêndulo tivesse um único sentido e não oscilasse entre inverno e primavera… Era mais fácil o comodismo de não sentir. E morrer inerte, virgem de sentidos e de sabores. Jazer no cemitério onde, pela primeira vez, senti saudades tuas ao pé de ti. ‘Faz boa viagem’ e eu quis ficar; dar-te a mão e descer a rua contigo, com todos a olhar e a balançar no pêndulo. Não eu. Os outros. Era mais fácil se tivesses ignorado que eu me ia embora no dia a seguir. Nunca setembro foi tão quente na minha hipotermia. Nunca o tempo foi tão quente na minha hipotermia. É por isso que eu ando sempre de luvas, para guardar na minha pele o quente da tua mão. E enquanto o pêndulo dura o seu balanço ao pé de ti, dura o luar que me aquece. Como o de ontem. Que eu vi a subir a rua de mão dada contigo, com todos os outros a olhar e a balançar no pêndulo. És o ‘dá-me lume’ do Jorge Palma. Ontem… eu fui ver o jogo e tu ao teatro. A vida dá voltas. Uma história dramaticamente linda, disseste tu. Mandaste-me mensagem com a frase que te ditou a noite ‘amo-te mais do que apenas mais um dia.’

Troquei de roupa, enrosquei-me nos cobertores e fechei os olhos. Correram na tela da memória imagens que pensei ter apagado e outras que nunca tinha visto. O pêndulo levou-me ao iglu, fez-me voltar, fui inverno e primavera… Que o pêndulo continue a balançar, desde que continue a balançar para ti. Ontem não to disse, não vi a Eunice Muñoz a dizê-lo, nem sei qual foi o ano do pensamento mágico. Não sei se um dia chega.

Amo-te mais do que apenas mais uma vida.”


(revisitando um lugar onde já fui muito feliz - IpsaEgo)

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