(não) há

há meses que tem uma súbita vontade de trancar a porta que dá para o mundo. Fechar também as janelas e ligar a televisão num qualquer canal de fantasias. Tudo menos a rua que passa lá fora e as pessoas que passam na rua que passa lá fora. Fechar o mundo para balanço. Calar-lhe o ruído de fundo. Uma eterna moto-serra a cortar as árvores na linha do horizonte

há barulhos que não deixam dormir. O  barulho do noticiário, o barulho dos silêncios desapontados, o barulho dos passos da partida, o barulho das chaves que não entram nas fechaduras, o barulho da roda dos dias que nos atira sempre para o mesmo ponto, o barulho da obrigação dos movimentos, o barulho da desesperança, o barulho dos carros às voltas na noite

há tempo em falta naquela casa. Não o tempo dos minutos perfilados no relógio, mas aquele tempo que é tempo no tempo. Um tempo feito de uma vida que é muita coisa. Um tempo que de tão curto é gigante, na longitude da linha do horizonte. E o tempo não cabe na lista das compras. Tal como a vida. Fome de vida e ele sem espaço para o tempo de viver na lista das compras.

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