Jardins da Babilónia


O povo diz que nunca devemos voltar ao lugar onde já fomos felizes. Não sei se por doer muito o deixarmos de ter sido felizes, se por doer mais o percebermos que aquela felicidade foi tão circunstancial quanto um sopro. Ou, se tão estupidamente, a vida nos levou por caminhos onde fomos tão ou mais felizes do que ali, fazendo-nos relativizar todos os sopros, porque o vento se levanta todos os dias, em todos os lugares. Há uma doce desilusão no voltar, como se os grãozinhos de areia se tivessem juntado para tapar aquele rasgão na pedra, enterrando as cartas que nunca mandamos. É realmente doce essa desilusão do reconhecimento do que deixamos para trás, ou daquilo que nos deixou ir em frente. Como se a pedra fosse fria pela primeira vez; não uma memória, mas a lápide de um amor que se deitou para descansar, preparando-se para viver num outro tempo. Que há-de vir. Ou que já foi, porque não tem tempo, essa personagem, o amor.

E é sábio o povo. Há um certo desencanto querido nessas mensagens suspensas. Jardins de Babilónia de sobrescritos vazios. Um elogio fúnebre à arqueologia das emoções. Pedra onde já fomos fogo. E mar. E vento. E tudo. E só pedra, quando voltamos a um lugar onde já fomos felizes. Mas é, também, com doçura que fazemos o mapeamento desses fados. Ainda que na tristeza do que se deita para descansar, foi sinal de vida. De que já fomos muito fogo e muito mar.

Há sempre um momento glorioso nas ruínas. São muitas as estórias dessas histórias. Muitos heróis sem espada e escudo. Muitas coroas e mantos. Muitos cavaleiros e muitas noites. Muitas vidas. Muitas vidas na nossa vida.

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