Um dia aprendemos a colocar tudo em perspetiva. A relativizar. A abraçar todos os clichés. A alimentá-los. Um dia aprendemos. E carimbamos o passaporte. Seguimos viagem. E não olhámos para o imediato. Um dia aprendemos a perspetivar todas as nossas tragédias emocionais. - lembro-me de onde estava há precisamente um ano. - eu não. Mas recordo todos os pormenores deste dia há sete anos atrás. E com ternura. Um dia aprendemos a declinar de forma perfeita esse pretérito do que fomos. Somos. Que aprendemos a ser. Perspetivamos a vida. E os que vão connosco desde sempre. Sem oportunidade de partir. Como se de cada vez que os amantes passageiros apanham outro comboio, a vida nos viesse ensinar a importância daqueles que nos gravaram a canivete no sangue. E esta roda um eterno e repetitivo cliché. Todos os dias a fazer-nos tropeçar.
31 de março de 2010 Porque nunca sabemos a que horas a vida volta. São muitos os bancos vazios no comboio, ao seu lado apenas a mala, o casaco e o guarda-chuva. Dia mau nos olhos. Nem sempre esperamos pela nossa vida; às vezes pela dos que se cruzam connosco quando procuram um banco que não esteja vazio, na trepidação do comboio pelos carris que levam não sei onde. A passagem da janela vai acendendo as luzes, anunciando a noite. Bom dia, Cansaço. E o vocativo voa nos círculos da expansão até que bata em nada. Espero também pela vida dela. Pobre, como o dia conspirou para que o crepúsculo fosse um comboio para a noite... Com bancos vazios. Não há vocativos de ternura, não agora. Tropeçou neles e caiu. Só a mala, o casaco e o guarda-chuva. Braga é uma cidade horrível para quem não gosta de chuva. E de esperar pela vida. Se calhar não mora lá e está, como eu, de passagem. Há dias que nos cansam. E jamais acabam, ainda que vivamos milhões deles depois. Não há, nest...
Pedacinho de Acto I - Histórias A luz apagou-se. Não sabemos mais onde podemos pisar sem rebentar uma mina anti-pessoal. O pano caiu para que a vida se desenrole na penumbra do palco onde os viandantes se multiplicam na vagabundagem de quem frustradamente procura um destino. Não sei se a rua está mesmo deserta, ou se já somos capazes de passar pelos outros sem os vermos. Vivemos sós na multidão que dá pão à solidão. Quando ando na rua e o meu ombro toca no ombro de quem passa ao meu lado, sinto o frio do granito que se alastrou do coração. O planeta aquece, as almas arrefecem. As duas pedras tocam-se e o fogo que nasce é fátuo... Não há luz na cidade. Os olhos habituaram-se à cegueira nocturna e, morcegos, passamos e andamos sem saber quem passou a andar por nós e nos tocou no ombro frio do granito. Gárgulas sem vida com hora definida. Porque se gárgulas clássicas, seríamos capazes de cortar o céu e de pedir à Lua que voltasse a iluminar e nos deixasse de mostrar essa face que, du...
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