sótão

É inútil, porque não consegue. Teima em fechar a cortina, mas a cortina não existe. É só o medo a tapar o dia. Mesmo assim, olha lá para fora.

Já viram como a noite se pôs bonita? – pergunta.

O silêncio é uma faca que ecoa na parede, a voar rente ao cabelo. Um frio de inverno no verão. Um medo de sair de casa e não encontrar ninguém. É disso que ele tem medo. De sair. De voltar. E de não trazer nada.

Não vou sair porque não tenho uma máquina para tirar uma fotografia à rua. – convence-se.

Há muitos souvenirs neste sótão, mas em caixas. De pandora ou papelão, não interessa. Mas em caixas fechadas, porque se esqueceu do que eles deviam lembrar. Por isso não servem para nada. Por isso o passado está empilhado em caixas, muito arrumadinho para não incomodar enquanto tenta fechar a cortina.
São cacos velhos a forrar um sótão. Uma poltrona à janela que não tem cortina. Mas uma cortina que passa o dia a puxar para não ver a rua ou a noite. É um pijama desbotado e vestido por uma vida inteira. Ou em partes, guardadas em caixas. Um pijama - um souvenir, uma poltrona – um souvenir. Um sótão – uma viagem. E no meio dos postais o medo de não trazer nada para guardar nas caixas.

Que pena não ter uma máquina fotográfica… Mas com esta cortina a luz não está sequer perto de ser perfeita. – lamenta.

Comentários

  1. Ah ah, vou ser o primeiro.
    Se há alguma ferrugem, não a noto.
    Welcome back!

    *

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